quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Carta à Presidenta Dilma e ao Congresso Nacional sobre o PLS 372/2008

Excelências,

Às vezes não dá para entender determinados procedimentos governamentais e políticos, tão só porque vieram do povo e pelo povo são (ao menos em suas promessas eleitoreiras) ou porque esquecem de olharem seus próprios atos (memória curta!?)

Senão, vejamos o contido na Mensagem nº 506, de 11/11/2011, da Presidenta da República ao Presidente do Senado Federal, onde  informa sobre o veto integral ao PLS 372/2008 por entendê-lo inconstitucional e contrário ao interesse público. Segundo a Mensagem Presidencial foram ouvidos os Ministérios da Justiça, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda e a Advocacia-Geral da União cujos manifestaram-se pelo veto ao projeto, pelas seguintes razões:

"A proposta viola o art. 61, § 1º, inciso II, alínea "c" da Constituição, ao reabrir prazo para requerimento do retorno ao serviço para servidores da União. Destaque-se que a partir de 1993, com o Decreto de 23 de junho daquele ano, o Governo federal se empenhou no deslinde da questão, o que foi reforçado com a publicação da Lei nº 8.878, em 1994. Desde então, foram constituídas diversas comissões para recebimento, análise, reexame e revisão de pedidos de anistia, conforme os Decretos nºs 1.498 e 1.499, de 1995, 3.363, de 2000, e 5.115, de 2004, não se justificando nova reabertura de prazo, decorridos 17 anos da publicação da anistia original".

Creio que, os senhores no momento do veto não olharam a cronologia dos processos de anistia do ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva (o primeiro, referente anistia da União datada de 1996, portanto, passados também 17 anos da Lei de Anistia nº 6.683, de 28/08/79; e, o segundo, de revisão de anistia, formalizado após o término de seu governo, portanto, 32 anos após promulgada a lei da anistia). Também, não olharam o tempo decorrido do processo de anistia da Presidenta Dilma (em que transcorrem 23 anos - contados até sua demanda em 12/2002). 
Aliás, Excelências, a Presidenta Dilma Roussef adotou o "jeitinho brasileiro" e com o endosso da Comissão Especial de Reparação da Secretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio, cuja aprovou concessão de reparação moral à mesma. Portanto, a Presidenta beneficia-se de dois processos de anistia.
 
Creio que, os senhores no momento do veto não se reportaram às suas origens, não se sentiram parte de um povo cujo as ditaduras pressionaram-no ao inculto e ao desatualizado, ao temor e à descrença, e, até nossos dias atuais sente-se psicologicamente abalado pelas arbitrariedades do poder. 
 
Excelências, isso justifica nova reabertura de prazo, mesmo que decorridos 17 anos da publicação da anistia pautada na Lei 8.878/94 (em cuja, não consta nenhum prazo prescritivo).  Não é assim? Então, eu poderia explicar isso de outra forma... apresentando muitas histórias reais à respeito, mas, isso levaria a muitas laudas, por isso vou resumí-las em apenas duas:
  1. Incontáveis vezes vi uma pessoa na lixeira de um edifício em frente à minha casa catando alimentos para comer, buscando roupas usadas, papelões, plásticos e latinhas. Esse seria um quadro comum em nosso país se essa mesma pessoa não estivesse presente em uma das reuniões do Movimento Pró-Reintegração na Receita Federal. Esperançoso ele, emocionados nós ao vê-lo preencher a ficha cadastral e apresentar documentos com informações de que laborou no Terminal Aduaneiro de Uruguaiana como concursado por edital para o cargo de AVR (Auxiliar de Vistoria e Repressão).
  2. A segunda história, também apareceu em nossas reuniões do Movimento Pró-Anistia, quando conheci um outro colega, alcoólico, e, que, segundo seu pai, tem permanecido sóbrio com a esperança de ser reintegrado ao serviço público. E, hoje é um dos maiores entusiastas do Movimento!
Esses dois casos me fizeram esquecer que "homem não chora"...
E, sinceramente, Ss. Exas. acreditam que essas duas pessoas teriam condições de responder antes ao (pretenso) prazo e ao que estamos vindicando?

Por outro lado, essas duas histórias poderão convencê-los de que o direito concedido à chefe de Estado de recusar a sua sanção ao projeto de lei votado pelas câmaras legislativas está certo. Porém, explica, mas não justifica dizer que "não se justifica nova reabertura de prazo, mesmo que decorridos 17 anos da publicação da anistia pautada na Lei 8.878/94!"

Além do mais, essa lei abrange apenas um mínimo de nossa categoria (até agora, identificamos apenas 09 colegas nesta fronteira-oeste). Mas, nem por isso iremos deixar de lutar por eles. A grande maioria estará amparada pela Lei 10.559, de 13/11/2002, requerendo anistia aos auxiliares de fiscalização desligados pela Receita Federal de 1979 a 1988 (até agora, identificamos mais de 200 colegas na fronteira-oeste do Rio Grande do Sul).
 
Somos Filhos da Ditadura! Fui AVB, não peguei em armas, mas, em instrumentos de trabalho; não fui enterrado... meus sonhos, sim; não sofri o exílio, mas, estou à mais de 30 anos sem poder trabalhar no órgão público pelo qual prestei concurso por edital, pelo qual fui treinado pela ESAF e onde laborei com afinco, dedicação e correndo risco de vida; não sofri no corpo mutilações, mas, na psique, até então. Sou como os demais colegas: “Filho da Ditadura”. Se ainda existem dúvidas, vejamos: 

  • Todos nós tínhamos de 18 a vinte e poucos anos. Não tínhamos maturidade suficente diante das "raposas" da política e dos "lobos" da ditadura, por isso não havia como reivindicar direitos trabalhistas à época. Logo nossos direitos de demandar prescreveram.
  • Aliás, vejam como as coisas se pautavam naquela época: um dos compromissos solenemente assumidos pelo Presidente João Figueiredo, no discurso que pronunciou na cerimônia de transmissão da faixa presidencial, no Palácio do Planalto, depois de empossado no cargo de presidente: "Reafirmo: não descansarei até estar plenamente assegurado - sem sobressaltos - o gozo de todos os direitos do homem e do cidadão inscritos na Constituição".
  • Observamos que antes da Constituição Federal/1988 os servidores públicos concursados eram estatutários (como era o nosso caso). Portanto, nossos direitos não foram gozados por que as arbitrariedades não o permitiram. 
  • No mesmo discurso o Presidente diz: "Reafirmo: é meu propósito inabalável (...) fazer deste País uma democracia".
  • Certamente, ele sabia o significado de democracia... mas, não exerceu sua reafirmação, senão vejamos o que diz no Minidicionário da Língua Portuguesa, do Prof. Francisco da Silveira Bueno: Democracia, s.f. "forma de governo na qual o poder emana do povo e em nome dele é constituído".
  • Em realidade, nem o Presidente Figueiredo constituiu democracia em nome do povo AVB/AVR/ACC, nem seus sucessores (exceto o Presidente Itamar Franco - como veremos mais adiante), nem mesmo, os democratas Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva e a Presidenta Dilma até agora. Aliás o Presidente Figueiredo exerceu o ditado "casa de ferreiro, espeto de pau", eis que, no mesmo ano em que criou a Lei de Anistia (6.683/79) emitiu a Exposição de Motivos que declinou nos contratos arbitrados dos auxiliares de fiscalização.
  • Os governos seguintes também não deram bola a esses contratos, eis que, em 1985 o Senado Federal nos Pareceres nºs 629 a 631/1985 havia se manifestado sobre e à favor do aproveitamento dos servidores... e tudo permaneceu como está!
  • Retornando à época do Presidente Figueiredo... a Portaria nº 597, de 04/12/78, do Ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen, diz que: "tendo em vista o despacho concessivo de autorização para contratação de pessoal temporário para execução de atividades aduaneiras auxiliares, exarado por Sua Excelência o Senhor Presidente da República na Exposição de Motivos nº 76,..." A Portaria nº 597/78, fala da contratação de pessoal temporário, mas, a Receita Federal contrata por prazo determinado. Ainda, essa portaria não fala em concurso público e a Receita Federal faz concurso por edital selecionando pessoas para o exercício de funções auxiliares de fiscalização. Mais, a portaria fala na contratação para execução de atividades aduaneiras auxiliares e a Receita Federal oferta funções de auxiliares de fiscalização.
  • Portanto, é erro em cima de erro ou arbitrariedades de toda ordem...
  • N'outro aparte da portaria, de 1979 a 1990, todos os AVBs, AVRs e ACCs  trabalharam como concursados por edital e treinados pela ESAF para a Receita Federal. E, desde o início houve um entra-e-sai desmedido: os AVBs trabalhavam 6 meses e renovavam por mais 6 meses, depois eram desligados; os AVRs e ACCs trabalhavam 12 meses e renovavam por mais 12 meses, somente. Tanto o princípio das funções de trabalhador temporário como as de empregado por prazo determinado são para laborar em atividades transitórias e a Receita Federal extende isso por mais de 10 anos. Isso é transitoriedade?
  • Vale, ainda, lembrar que após 1990 o governo criou o cargo de Técnico do Tesouro Nacional para que, tais exerceçem as mesmas funções ou similares às que os AVBs, AVRs e ACCs faziam. Essas arbitrariedades culminaram no cargo de Analista Tributário, última função criada pelo Ministério da Fazenda para fazer as mesmas coisas que os concursados anteriores faziam, desde a primeira turma de AVBs, AVRs e ACCs.
  • Outra informação: entre 16/03/90 e 30/09/92, o então presidente, Fernando Collor de Mello transferiu para empresas privadas ou demitiu cerca de 100.000 funcionários públicos que laboravam em órgão públicos, empresas estatais ou paraestatais. E, mais, como contou a Presidente da Comissão Interministerial Érida Feliz: no governo Collor centenas de empregados tinham sido pressionados a pedir demissão... "eles eram levados a um local chamado de casa de convencimento".  
  • O Presidente Itamar Franco concedeu-lhes a anistia por medida provisória, em maio de 1994. Mas, somente em 2005, uma comissão interministerial ratificou a decisão e determinou o retorno dos anistiados. Foi analisado caso a caso. A volta ao trabalho começou em 2009. 
  • Com isso que explicamos a Vossa Excelência dá para entender determinados procedimentos governamentais, como esse veto que a Senhora proferiu?
 Excelências, sigam o exemplo do saudoso Presidente Itamar Franco e concedam à todos os auxiliares de fiscalização da Receita Federal (AVBs, AVRs e ACCs) uma Medida Provisória de reintegração ao serviço público com parâmetros salariais com os cargos que os sucederam. Queremos voltar ao trabalho porque nos sentimos injustiçados pelos desligamentos. Queremos voltar ao trabalho porque temos condições plenas de retomar nossas funções.

Obrigado por suas atenções!

Dagoberto Bilhalba
Ex-AVB Uruguaiana


OBS1: Esta missiva é de minha inteira responsabilidade (quem a subscreve).

OBS2: Carta nestes termos será encaminhada por mim à Presidenta Dilma, aos ministros, aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal no dia 02/01/2012. Não posso mais ficar calado diante de arbitrariedades e de lapsos que continuam, porque, tais, prejudicaram e continuam a prejudicar-nos e às nossas famílias! 

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